CARTA ABERTA DO MOVIMENTO SINDICAL DA PSICOLOGIA: Eleições 2022
No ano em que comemoramos 60 anos de profissão regulamentada no país, com atuação em muitos contextos de trabalho tanto no setor público quanto no privado, queremos provocar uma reflexão sobre a nossa atuação profissional num cenário político e econômico de muitos retrocessos para os/as trabalhadores/as em geral e a nossa categoria em particular, que também sofre os impactos no seu dia a dia.
Somos mais de 429.000 profissionais psicólogos no Brasil, inscritos nos 23 Conselhos Regionais, e segundo estudo do Dieese de 2021 (RAES), foram identificados 64.109 psicólogos com vínculo empregatício no país, embora saibamos que muitos estão fora deste quantitativo porque não são contratados como psicóloga(o). Nossos principais empregadores nos últimos anos tem sido o setor público, nas 3 esferas de governo (federal, estadual e municipal).
Para nós, sindicalistas, esta Carta será um termômetro para medirmos como está a nossa consciência de classe das psicólogas e psicólogos em nosso país. Será uma oportunidade para mostrarmos que o sindicato está do lado da(o) psicóloga(o) enquanto principal instrumento de luta pela valorização e organização da profissão no país, bem como pela união de nossa categoria.
O Brasil atravessa uma das maiores crises econômicas de sua história, com as Reformas Trabalhista, Previdenciária, EC95 (que limita gastos públicos), o risco premente da Reforma Administrativa – PEC 32 (que desqualifica serviço e o servidor público) e sanitária (Covid 19) . Os aumentos do desemprego, da informalidade e a redução da renda real, conjuntamente com a pandemia da Covid-19, têm impactado direta ou indiretamente na saúde mental da população, podendo gerar ou agravar o sofrimento psíquico existente. Em especial, destaca-se a quarta onda de consequências da pandemia, qual seja, a de aumento de transtornos mentais e do trauma psicológico provocados diretamente pela infecção ou por seus desdobramentos secundários. (Estudo Dieese/SC).
E a nossa profissão foi e tem sido muito requisitada a responder estas demandas de forma comprometida ética, técnica e politicamente para com a sociedade.
Cabe-nos perguntar se, enquanto categoria profissional, estamos seguindo o nosso código de ética quando deixamos de lado ou mesmo não participamos de discussões e debates políticos, tanto os que ocorrem na profissão (CNP, p. ex) quanto os fora dela, como neste atual momento das eleições.
Quando falamos na prática profissional da Psicologia, ressaltamos os PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS que iniciam nosso CÓDIGO DE ÉTICA afirmando que
I. O psicólogo baseará o seu trabalho no respeito e na promoção da liberdade, da dignidade, da igualdade e da integridade do ser humano, apoiado nos valores que embasam a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
II. O psicólogo trabalhará visando promover a saúde e a qualidade de vida das pessoas e das coletividades e contribuirá para a eliminação de quaisquer formas de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
III. O psicólogo atuará com responsabilidade social, analisando crítica e historicamente a realidade política, econômica, social e cultural.
IV. O psicólogo atuará com responsabilidade, por meio do contínuo aprimoramento profissional, contribuindo para o desenvolvimento da Psicologia como campo científico de conhecimento e de prática.
V. O psicólogo contribuirá para promover a universalização do acesso da população às informações, ao conhecimento da ciência psicológica, aos serviços e aos padrões éticos da profissão.
VI. O psicólogo zelará para que o exercício profissional seja efetuado com dignidade, rejeitando situações em que a Psicologia esteja sendo aviltada.
VII. O psicólogo considerará as relações de poder nos contextos em que atua e os impactos dessas relações sobre as suas atividades profissionais, posicionando-se de forma crítica e em consonância com os demais princípios deste Código. ( grifo nosso)
Não é à toa que muitos estudiosos, pensadores e até artistas estão fazendo uso da palavra na mídia para se posicionar diante deste momento que vivemos, pois o que está em jogo são dois projetos de sociedade que não são somente diferentes, mas são opostos.
Após anos de lutas por justiça e igualdade em diferentes campos da vida social, estamos assistindo dia a dia um perigoso avançar do conservadorismo, e o que é pior, sendo utilizado como desculpa para impor uma moralidade de cunho religioso. Vivemos uma espécie de (re)colonização dos corpos e mentes de brasileiras e brasileiros, na sua maioria sem recursos para enfrentar uma realidade cruel, com baixa escolaridade, renda diminuída ou inexistente, sem emprego, com famílias e indivíduos vivendo na miséria e com fome. Vivendo o desamparo e a desproteção social, onde a religião acaba se transformando num refúgio para enfrentar o sofrimento humano, onde observamos o incremento das igrejas com discursos distorcidos, com um forte apelo político.
Psicólogas(os), precisamos fazer uma reflexão crítica e responsiva da realidade atual diante destes dois projetos de sociedade que temos à frente para escolher nestas eleições: um projeto tido como progressista, que respeita a democracia, as políticas públicas, a justiça social e os direitos humanos, e um outro projeto dito ultraneoliberal, antidemocrático, que defende as privatizações e o estado mínimo, que instiga a violência e o fascismo. E como já sabemos: Psicologia não existe sem democracia e justiça social. Portanto, nossa existência, da Psicologia, também está em risco!
Há um pensamento que diz: enquanto os progressistas querem mudar a sociedade para que as pessoas mudem, os fundamentalistas (de base religiosa) querem mudar as pessoas para que a sociedade mude. Os paradigmas são diferentes, ou seja, enquanto os primeiros têm e operam num paradigma político, os segundos têm (e operam) um paradigma moral, onde não importa a sociedade que temos, o que importa é a concepção moral do sujeito – se forem “pessoas de bem”, a sociedade será “boa”.
Chegamos a um ponto em que as(os) psicólogas(os) dirigentes sindicais ficam intimidados de defender os projetos que acreditam e para os quais foram eleitos para defender, como os direitos da classe trabalhadora. Temos medo de usar a cor que gostamos e queremos, de expor nossas bandeiras, e quando o fazemos, somos ameaçados, desrespeitados e marginalizados.
E nesta sociedade em que o sofrimento humano e especialmente o psíquico é real, a psicologia não pode se calar. Se ela é promotora da saúde, defensora da autonomia, dos direitos humanos, da dignidade e da saúde mental de seus pacientes, presentes em tantos espaços, públicos e privados, nas instituições, organizações, ONGs e consultórios, nas ruas e nas comunidades, é dever do profissional Psicóloga(o) zelar pela vida e pela dignidade humana e preservar o valor maior que é sempre a vida.
O movimento sindical da psicologia que tem como objetivo defender os direitos e as condições de trabalho das psicólogas e psicólogos enquanto trabalhadoras, mesmo quando em atividade autônoma, considerando a atual conjuntura política, não pode se omitir nesta escolha dos diferentes projetos de sociedade, haja vista que os principais prejudicados serão as trabalhadoras e trabalhadores que, como nós, psicólogas(os), seremos afetadas(os) em nosso cotidiano profissional e pessoal, conforme for o resultado das eleições de 2022.
Temos que estar preparadas(os) para acolher e atender uma população diante de um cenário polarizado política e socialmente, inclusive dentro de nossas casas, famílias e instituições.
Importante é termos clareza de nossa identidade profissional e do nosso papel social neste contexto atual também à luz do nosso Código de Ética Profissional.
Por fim, colegas psicólogas (os), cabe ouvir e analisar o contexto e as propostas, as falas e os compromissos que cada candidato apresenta para sua tomada de decisão responsável, sempre na direção de uma sociedade mais justa, solidária e fraterna, que reconheça os cidadãos deste país como os legítimos herdeiros da riqueza que nele é produzida por todos nós, trabalhadores brasileiros, e por direito, com todos deve ser compartilhada, e por todos, desfrutada.